28 de mai. de 2015

Reflexo

Andei e andei e de vários caminhos não cheguei a lugar algum, bom pelo menos em alguns aspectos monótonos. E me peguei em um paradoxo, aqueles esquisitos momentos onde você não sabe se era sonho ou realidade.
Estava eu descalço andando em uma rua de barro, portava minhas roupas de show, meus anéis, colares e camisa social aberta ate o peito. Meu cabelo se encontrava molhado com meu topete atrapalhando a visão. Uma rua esquisita longa e neblinada, o barro então se tornou aos poucos uma estradinha de paralelepípedo e casas feitas de taipa. Já havia calcada que foi por onde resolvi andar. Assim que pisei na calcada passa a toda velocidade pela rua um caminhão vermelho.
Pelo sufoco do quase continuei andando sem esboçar interesse e nem ao menos preocupação por nada, eu estava cansado e já andava por horas, quando escuto um choro, continuo andando e me deparo com uma esquina que tinha um garotinho sentado, e ao mesmo tempo em que ele parava de chorar começava a espernear dando risada, então eu o chamei e perguntei o que ele estava fazendo ali sozinho, e então o garotinho que aparentava ter 5 anos de idade se vira para mim, para meu encanto e espanto aquele era eu há quinze anos atrás.

O meu eu criança me olhou e se espantou, mas ao mesmo tempo se sentiu acalantado e protegido, como se me conhecesse há muito. Me abraçando com aquela altura que não passava do meu umbigo agarrando forte as minhas pernas, olhou e disse com a sua voz fina, "Vamos!". Assim me puxando para a esquina e continuando na calçada, andávamos de mãos dadas como se ele fosse meu filho, como se fosse a coisa mais importante da minha vida.
Aquele garoto com certeza não sabia ficar quieto, pegava tudo de anormal que encontrava no chão, andávamos a um bom tempo e ele falava pouco, às vezes ele me perguntava se estávamos chegando, mas o problema é que eu não sabia nem ao menos onde estávamos indo.
Começou anoitecer e esfriar e o garoto não conseguia parar de reclamar do frio eu estava só com minha camisa aberta ao peito e por incrível que pareça era a minha favorita, ele reclamou tanto que me fez perceber que ele queria a camisa, mas no fundo por algum motivo eu resistia. Por fim lhe entreguei a camisa ele me olhou sorriu e me pediu para ajudar a colocar, era muito grande e uma parte arrastava no chão. Então eu o peguei no colo e continuamos andando, logo meu pequeno “eu” dormiu no meu colo, eu tinha me esquecido o quanto era pesado nesta época e já não me aguentava mais.

Continuei andando e a rua estava cada vez lotando mais e mais de casas, logo tudo virou asfalto. Escuto um barulho e vejo um puma com sua pelagem negra se aproximando em nossa direção, para meu desespero eu tropecei e meu “eu” acordou e saiu correndo para a calçada, surpreendentemente o puma se virou para ele indo lentamente a sua direção, eu me vi correndo e gritando para cima do puma para proteger o pequeno, sem camisa e assustado, mesmo assim o puma veio a meu confronto, mas de mãos vazias eu não iria acabar bem, era um rugido um pulo e uma esquiva, rondando em meio à rua um encarando o outro, quando ouço uma risada esquisita, e a neblina ainda não me deixa enxergar além, o puma se agita a ouvir a risada ecoante e se retira lentamente na direção oposta ao meu “eu” até desaparecer no meio da rua. Meu pequeno eu se aproxima chorando e assustado, o acalmo, porém existe o medo de prosseguir, contudo ainda curioso com a questão da risada esquisita.
Já estava a entardecer a noite se previa abafada e quente, a estrada perdia as casas e aos poucos e voltava ao barro. Algo me surpreende, no mesmo nível que um puma preto... Reparo em um garoto agachado olhando fixamente para um buraco muito fundo. Imediatamente grito para ele se afastar, meu pequeno eu corre em sua direção soltando a minha mão. Neste momento tropeço e olho para baixo nesse instante volto a olhar para cima e o garoto que estava agachado está olhando abestalhado para minha cara, eu demorei quase dez segundos para me reconhecer, aquele que estava na minha frente era eu mesmo, há dez anos. Ficamos nos observando, eu não cogitei em perguntar o que ele fazia com um cabo de vassoura preso nas costas, no momento em que eu lembrei que sempre imaginava uma vassoura como uma espada naquela época.
Eu perguntei onde estava o menininho, ele me disse “que menininho?” Fiquei pasmado. E que maravilha agora estou sem camisa nesse clima frio.
O Menino me olhava desconfiado, perguntei onde ele estava indo e ele não soube me dizer, não entedia o porquê dele olhar fixamente para aquele buraco, eu estava pensando no garotinho, e o menino não parava de me falar algo sobre uma menina, eu não dei muita atenção, mas perguntei o que ele estava a procurar no buraco, ele me deu uma risada esquisita e disse que procurava um gato que dava azar.
Eu realmente achei muito esquisito e familiar àquela risada. Ele então me acompanhava como um melhor amigo falando do que aprontava e o que queria fazer, insistia em repetir o nome daquela menina aos poucos eu me lembrava do rosto dela, e logo sorria, eu tinha percebido naquele momento o tanto de mim que já tinha me esquecido.
Sentia-me tão chato perto dele, eu imaginava a minha cara entediada de longe. O barro aos poucos dava lugar a um gramado transformando a paisagem em campo, o menino sai correndo em direção a uma arvore, e a fica encarando eu passo e continuo andando em frente sem saber aonde chegar, a neblina no horizonte não me permitia ver o que teria por vir.
A noite toma conta, precisava de uma barraca eu não queria andar já estava completamente exausto, andei mais um pouco ate chegar a uma grande arvore seca, dentro seria onde passaríamos essa noite, o menino era enérgico o tempo todo, ele foi o primeiro a dormir, eu ainda não acreditava no que estava havendo era tudo real, pensando nisso não consegui dormir por um tempo, demorou, mas enfim apaguei.
Quando eu acordei o menino tinha sumido, para meu espanto assim que saí de dentro da arvore escutei aquele rugido novamente, quando me dou conta estou na frente do mesmo puma preto de antes, sem nenhuma forma de reação eu me afasto me vendo assim preso de costas para uma arvore na qual tento inutilmente esquivar tropeçando e caindo, o puma veio correndo em minha direção, eu não conseguia me mexer de medo, quando um vulto passa por cima de mim e da uma paulada na cabeça do bicho em um movimento só. Era o menino com sua madeira, o puma fica furioso e o garoto vai para cima dele com sua madeira, mas ele tropeça tomando um arranhão assim que  a madeira cai, eu me vejo indo pra cima do puma e lhe dando um grande chute, o garoto só gritava de dor. Eu e o puma nos encaramos de novo, eu pego a madeira que caiu e vou com toda fúria pra cima do puma, eu acerto sua cabeça com a madeira com toda a força que possuía rachando a madeira, quando olho pra traz o puma havia se tornado um gato com a pancada.
O garoto comemora por ter achado seu gato preto, mas ele estava sangrando o sentei na arvore e fui buscar algo para colocar na ferida.
Quando retorno com algumas folhas não havia ninguém mais lá, nem sinal do gato e nem do garoto, e por mais uma vez fico perplexo com isso. Decido tomar meu caminho, e aos poucos tudo vai virando uma floresta, já esta amanhecendo e ficando frio estou sem blusa, parando um pouco para descansar acabo cochilando. Acabo no começo do dia não encontrando a estrada quando escuto um estrondo e ouço um gemido de dor, mais a frente me deparo com algo se escondendo nas arvores, era alguém encapuzado. O encapuzado ser veio em minha direção, sutilmente eu já me afastava esperando por algo, o ser para e se agacha na minha frente e abaixando a cabeça me dizendo, “eu quero saber de tudo!”.
O vento batendo nas arvores e tudo começava a chacoalhar, os galhos os ramalhetes e toda a roupa daquela pessoa, ele então levanta a cabeça e tira o capuz, no momento eu percebi que conhecia aquela voz que era muito familiar, eu não acredito que era eu mesmo de novo, sem meu topete sem minhas camisas, só meu corte convencional e roupas de frio, aquele era mesmo eu.
Tudo ficava mais e mais estranho o que poderia acontecer daqui pra frente? “Então você é o eu que eu sinto mais saudade”, assim pensei comigo mesmo. O rapaz me olhando e dizendo que se adorava na minha barbicha, ele me perguntou de uma garota uma que eu lembro-me muito bem, Gabrielle. Insistentemente ele me faz inúmeras perguntas sobre o futuro, no fundo eu imaginava que o que eu falasse ali poderia ou não ter sérias consequências. Ele insistindo em me fazer as perguntas das mais idiotas até as mais doloridas e complexas. Até que peço calma, e digo energicamente “Vamos com calma!”. Ele se cala e me entrega sua blusa de frio e me pergunta aonde vou, logo respondo, “isso é uma boa pergunta, mas aonde você vai?”. Ele diz que estava na sala de aula e de repente apareceu ali, eu olho e percebo em seu cinto um pequeno chaveiro o qual me lembro muito bem e acabo ficando intensamente triste por conta do impacto do tempo e das memorias.
Um Trovão estala sobre a floresta tropical onde andávamos. Logo tudo iria escurecer, o rapaz estava confortável em me falar tudo sobre a sua amada, coisas que eu realmente me esqueci que sentia, logo anoitece novamente. Os trovões seguem cada vez mais assombrosos e a floresta se apaga na noite, paramos e arrumamos alguns galhos para encher de plantas em uma pequena cabana acendemos uma fogueira. A fome aperta, e insistentemente ele me fala apaixonadamente de tudo que gosta. Permaneço calado e curioso, entre tantos pensamentos de vez em quando lhe dava ouvidos e cada lembrança de tudo que ele me falava percebia, que em tão pouco tempo tinha me esquecido de tanto.
Um estrondo de luz vindo de um trovão que bate em um local próximo gera um vento gélido apagando a fogueira, o estrondo tão forte foi que resolvemos averiguar. Chegando lá a arvore em chamas, ficamos olhando e ouvimos um rugido, aquele maldito rugido familiar do puma. A árvore se apaga do nada deixando tudo escuro, e em instantes um trovão nos mostra varias sombras enfileiradas, a arvore reascende com um fogo branco como a luz da lua mostrando assim algumas garotas todas paradas e com os olhos brancos, o rapaz se assusta por reconhecer algumas, e eu reconhecendo todas.
Ele vai ao encontro de uma em especial e eu digo para voltar, que é perigoso “tudo que esta a sua frente é o seu futuro e todo o meu passado, vou te falar de cada uma, mas em especial as três ultimas”.
Ele se acalma, e vem ao meu lado, começo a falar da primeira elas estavam enfileiradas em ordem em que as conheci, quando começo a falar da primeira em instantes ela vem correndo em direção ao rapaz com os olhos vermelhos, quando ao se chocar se despedaça em fumaça ele cai de joelhos, e assim as outras a seguem repetindo o processo, eu paralisado de medo naquela cena.
Sobram três ainda, e ele acorda se levantando e se transformando em um puma de olhos avermelhados vindo em minha direção quando uma das garotas dali diferente das outras ficam de olhos azuis, essas se aproximam de mim lentamente e sem saída acaba acontecendo comigo a mesma coisa, elas penetram na minha mente me mostrando lembranças e memorias das mais felizes que eu tive com cada uma, intermináveis momentos especiais, amolecendo assim meu espirito confuso.
Decido encarar o puma, ele vem correndo em minha direção, onde quase não consigo esquivar, olho minha camisa social no chão e a pego, me perguntando o que ela estava fazendo ali, o puma vindo em minha direção novamente e eu corro em direção a uma pedra alta a blusa de frio acaba me prendendo em um galho, em meio ao desespero a solto e quando enfim subo a pedra, visto minha camisa, que de repente ganha um peso esquisito, encontro no canto da pedra um pedaço de pau preso, quando o puxo na verdade se revela uma linda e longa espada.
As outras duas garotas que sobraram se unem ao corpo do puma fazendo o mesmo aumentar de tamanho, e fazendo o conseguir subir a pedra ao meu encontro e ali travamos uma luta, o puma me encurrala eu acabo ferido no braço direito, vou a sua direção com toda a fúria e enfio a espada em suas costas.
Caindo no chão o puma se transforma de volta em mim, a fumaça saindo da sua boca desacordada que forma as mulheres, encaro então uma a uma e elas se unem formando um ser baixinho e careca extremamente simpático que passa paz e suavidade na sua presença e que me diz “Agora você está em paz!”.
Olho fixamente para o ser que me diz “Fique com essa, pois ela te completa e te dá força, ela é o seu destino é seu poder...”.
Procuro meu jovem eu que se encontrava desacordado e não o encontro, aos poucos a floresta vai ficando transparente e a neblina cobre tudo, avisto uma porta, e meu braço dói muito, indo em direção a uma porta que aparece no meio do nada passo por uma arvore seca, quando volto a olhar a arvore esta saudável e com uma folhagem verde brilhante. Abro a porta e vejo tudo escuro. Não conseguindo me manter acordado nesse instante me vejo desacordando. Enfim acordei e tudo parece normal às pessoas, os carros, eu em minha cama sem feridas e com minha roupa.
No fim o que eu perdi de importante? O que recuperei? Eu sou importante para mim mesmo. Nunca podemos esquecer a nossa essência o verdadeiro eu, pois a vida lhe cobra com monstros gerados dos teus erros, E sempre existe forma de se aprender com você mesmo, passamos por metamorfoses durante a vida, vida que ainda é a sua, que ainda habita em ti. Somos um poço de aprendizado para nós mesmos e quem quiser.
Até.